Carta de Despedida da Presidência do Instituto Mundo Aflora
- Renata Mendes
- 3 de jun.
- 3 min de leitura

Escrever esta carta é como assistir a um filme passar na minha cabeça. No primeiro dia em que pisei em um centro feminino de medida socioeducativa, aos 20 anos de idade, jamais poderia imaginar, nem nos meus sonhos mais ousados, que 22 anos depois estaria escrevendo sobre a minha saída da presidência e do dia a dia do Instituto Mundo Aflora, organização que fundei em 2016.
A jornada que me trouxe até aqui foi trilhada com o apoio de centenas de pessoas, muitas delas talvez nem saibam o impacto que tiveram. Entre elas, destaco todas as meninas cis e pessoas trans que conheci ao longo dessas décadas. Cada vez que compartilhavam suas histórias de vida, uma semente foi plantada no meu coração, acompanhada de perguntas que ainda ecoam: Onde está a justiça para essas adolescentes? O que aconteceu em suas vidas para que chegassem ao ponto de cometer um ato infracional?
Essas histórias me trouxeram compreensão sobre o sistema de opressão em que a justiça atual é construída e conduzida. Ao longo dos últimos oito anos liderando o Mundo Aflora, ao lado de uma equipe cuidadosa e dedicada e de um conselho consultivo generoso e comprometido, aprendi lições valiosas que quero compartilhar:
Qualquer mudança sistêmica começa ao olharmos para as causas profundas dos problemas.
Cuidado, proteção e afeto são as únicas medidas socioeducativas que realmente transformam vidas.
Ninguém transforma ninguém; o que transforma são oportunidades contínuas e a corresponsabilidade social.
Quando uma adolescente comete um ato infracional, nós, como sociedade, estado e família, falhamos.
Conversas difíceis sobre temas complexos são as formas mais humanas e eficazes de combater desigualdades.
Investir em uma menina é transformar toda a sua família.
Direitos básicos, cuidado com a saúde mental, fortalecimento de redes de apoio e afeto são os pilares que sustentam nosso trabalho.
Acredito que minha saída possa despertar curiosidade, por isso compartilho os motivos: após todos esses anos trabalhando com o tema da violência infantojuvenil, percebi que era momento de abrir um novo ciclo. Reconheci a importância de saber quando partir e criar espaço para que novas ideias, energias e estilos fortaleçam essa causa tão essencial. Essa transição foi conduzida com calma e o cuidado que merece. Sigo com plena confiança nas pessoas comprometidas que assumem essa missão, certa de que continuarão a ampliar nosso impacto. Como disse o Nêgo Bispo, 'somos começo, meio e começo'. Assim é para mim e para o Mundo Aflora.
Não ouso citar nomes, porque seria injusto esquecer alguém, mas deixo aqui minha gratidão: às adolescentes que confiaram em nós para sonhar novamente, aos voluntários que doaram seu tempo e conhecimento, aos parceiros e financiadores que ousaram apoiar uma causa tão urgente, às organizações que reconheceram nosso trabalho com prêmios, à equipe atual e ao conselho consultivo, que me apoiaram nesta transição com sensibilidade e cuidado.
Dizem que criamos filhos para o mundo, e sinto que o mesmo acontece com o Mundo Aflora. A organização cresceu e está caminhando com as próprias pernas. Bem estruturado, o Instituto está pronto para novos voos sob a liderança de Gabriela Latorraca, a nova diretora-presidente, e de Stella Ottengy, que continua como diretora executiva. Ambas fazem parte de metade da história do Mundo Aflora e ajudaram a construir suas bases sólidas junto com a equipe. Hoje, conhecem a organização melhor do que eu.
Eu assumirei o lugar no conselho consultivo e seguirei torcendo para que esta nova fase do Instituto aflore ainda mais. Acreditando que o trabalho que iniciamos continuará impactando vidas e promovendo transformação social, deixo meu cargo com o coração cheio de gratidão, confiança e esperança.
Com carinho,
Renata Broglia Mendes
*texto publicado no Linkedin no dia 4 de fevereiro de 2025
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